
Definitivamente o pior lugar para se estar dentro de uma escola é a sala dos professores. Não sei de onde iniciou essa minha inquietação e desconforto para com este ambiente, mas estou certa de que é um local que não me agrada. Ao menos que esteja vazia, claro. Mas, na maioria das vezes, está cheia. Cheia de professores cansados, estressados... eu mesma, muitas vezes, estou cansada e estressada. Até aí, problema nenhum. O problema é justamente o fato de que ali dentro se torna espaço para auto-afirmação demasiada. Justificações de trangressões, comportamentos duvidosos, intolerância e desrespeito, sem mencionar frustrações - tudo se manifesta ao mesmo tempo, naquele curto espaço de tempo que dura o intervalo entre aulas. Tenho inúmeros fatos que pude observar e/ou vivenciar, e quase nenhum positivo. Não sei ao certo, mas me parece que professores como eu, eventuais, não são lá muito bem vindos. Pode ser impressão e também não generalizo - sempre há excessões. Mas o fato é que por diversas vezes me senti acuada. Desde o momento em que passo porta adentro, sorridente, e digo BOM DIA, ou BOA TARDE, BOA NOITE, whatever... e quase nunca recebo a resposta. Ao invés disso, já fui chicoteada com olhares de desprezo, viradas de cara, caras feias de quem não está muito afim de papo. A conversa ali, é vertical. Inclui poucos "privilegiados", somente aqueles veteranos de guerra, que sentem-se ameaçados pela presença de uma jovem qualquer, disposta e cheia de boas intenções. Quase nunca fico por muito tempo ali, em geral pego meu café - e isso também parece ser um crime muitas vezes, já que o café é pago mensalmente pelos efetivos - saio para fumar, e só retorno próximo ao momento de voltar a trabalhar. Mesmo assim, já passei bons momentos ali, apenas ouvindo, observando, e quando possível, interagindo. Um porre. Sim, um tremendo tédio, quando não revoltante. Parece que dentro das escolas existe um padrão de comportamento da classe do professorado, quase que esteriótipos ambulantes. Em todas as salas de professores, sem exceção, existe aquela figura do professor engajado, ou falso-engajado. Aquele que entra meio que bufando, e falando alto. Fala de tudo, da indignação com o salário, a falta de respeito dos alunos, a falta de ética da direção, a má educação que deveria vir do berço... um blá blá bká CHATO, sempre sem a mínima graça, mas que - pasmo - faz os outros rirem. Porque é um discurso debochado, escrachado... uma caricatura falante. E também tem aquelas de fala lenta e arrastada, uma fala
bromazepídica. Dá sono ouvir, é sério. O discurso também é ensaiado; diz respeito a histórias sem graça e corriqueiras, de como ela se saiu em um confronto com aluno em sala de aula, ou como a sala "x" é chata... reclamações, basicamente, e vangloriações de "como eu sou foda por ter dito isso isso e aquilo para fulano" , ou "mandei ciclano da sala "y" para a diretoria". E por aí vai, banalidades, inflamação de ego, recalque.
Num canto obscuro, de frente ao computador, tem sempre alguém vendo o orkut, facebook... raramente algo além disso. Colocadas as personagens, temos os figurantes, e o roteiro é dos mais variados. Recentemente, ao entrar na sala de professores, com meu jaleco e o sorriso estampado, deparei com um professor mais, digamos... veterano. E ainda assim, nem tanto. A primeira coisa que ele me perguntou foi: "Você é eventual?". Em seguida, perguntou se era a primeira vez que dava aula. Respondi que não, que dou aula há quase 3 anos como eventual. O comentário seguinte me emudeceu: "Ah, percebe-se que vc é nova mesmo... te vi entrando, toda animada, sorrindo... logo pensei: só pode ser iniciante, para vir dar aula tão feliz." Sorri, e saí. O lance do café já me gerou situações estranhas também. Pra começar que às vezes me sinto envergonhada em me servir, porque os olhares me seguem, e observam cada colherada de açúcar que coloco. Já ouvi comentários e discussões enérgicas sobre o pagamento do café, que o café é caro, que isso que aquilo. Nunca diretamente para mim, claro. Mas indiretas bem ácidas, sim. Também recentemente entrei na sala dos professores de uma escola que nem vou com tanta frequência, e senti cheiro de café. Em cima da pia, uma térmica e num canto, uma cafeteira. Nao havia café na cafeteira, então peguei a térmica e perguntei a uma das professoras que me observava de perto: "este é café ou chá?" Ela me olhou e disse que era café "mas é de ontem à noite, o da manhã a gente ainda nao fez". Logo percebi a hostilidade e nem me servi, saí para fumar. Quando voltei, ela estava se servindo da mesma térmica, o café.
Época de greves e paralisações também são tensas. Os animos ficam exaltados e a velha briga se estabelece: um ou dois mais politizados tecem discursos sobre as paralizações e como a classe deveria ser mais unida, porque senão perde a força, enquanto a maioria observa e se defende dizendo que não participa porque não acredita, ou está pra se aposentar, ou não quer perder o semestre no conteúdo....
aham, cláudia.
Certa vez estava sentada, esperando o sinal bater, quando um professor que sempre me obervara de longe se aproximou e puxou uma conversa no rumo "vc gosta de dar aula?". Em meio às perguntas sobre meu futuro, ele questionou se eu realmente iria seguir a licenciatura ou partir para o bacharel. "Só licenciatura... quero trabalhar com isso mesmo". Ele embasbacou. E o que se seguiu foi uma enxurrada de "incentivos": "não faça isso com sua vida. Você ainda é nova, aproveite essa chance. Faça o bacharelado, e vá para a pesquisa. Acredite, você vai se arrepender. Licenciatura não é para a gente, é um tormento." Foram coisas assim que me obriguei a ouvir, mas dando o direito de entrar por aqui e sair por ali. Essa não é a primeira nem a segunda vez que passo por coisas deste tipo, e fico sempre muito pensativa quando algo do gênero acontece. Em uma coisa os ventrílocos politizados estão certo: a categoria é desunida e digo mais: desinteressada, apática, desiludida e sem o mínimo potencial para incentivar sua própria classe trabalhadora. Deve ser a única, ou uma das poucas onde os profissionais desestimulam os jovens iniciantes na carreira. Mas eu insisto: gosto daquilo, e vou em frente. Meu trabalho de formiguinha por uma educação de qualidade, digna e de respeito, segue, por mais que queiram apagar meus ânimos.
Para finalizar, concluo com uma frase que ouvi ainda esta semana: "A mãe desses alunos deveria ter abortado todos eles...".
Reflexivo, hum?